The following article is part of Diogo Peralta Cordeiro's Logbook.

Conhecer a Casa da Música

Published in 2022-03-16 by Diogo Peralta Cordeiro.

Last update: 2022-06-03

Este documento é uma compilação das reflexões que escrevi para o curso Música e Sociedade pela Casa da Música e U.Porto/FEUP.

Ep. 1 – A Entrada: Música e Sociedade (2022-04-17)

A Casa da Música é primáriamente uma sala de concertos situada no Porto, Portugal. Foi desenhada pelo arquitecto Rem Koolhaas (vencedor do prémio Pritzker).

O projecto foi anunciado em 1 de Setembro de 1998, no âmbito da posse do Porto em 2001 como Capital Europeia da Cultura). Todavia, e como expectável pela sua configuração incomum (forma de um poliedro assimétrico de nove andares coberto por placas de cimento branco, cortadas por grandes janelas de vidro onduladas ou planas), somente em 2005 é que se dá a sua abertura.

Organização

A CdM é uma fundação de utilidade pública, logo sem fins lucrativos, que se organiza em diferentes grupos (denominados residentes):

Sociedade

Para compreendermos o efeito e a relação entre a CdM e a Sociedade, vamos explorar a função do serviço de marketing da CdM. Esta pode não ser óbvia pois trata-se de uma função sem fins lucrativos, e temos tendência a percepcionar este como um método exclusivamente com fins de comercialização.

Em primeiro lugar, entenda-se no marketing um instrumento de serventia díptica:

No caso da CdM, o produto é primariamente uma forma cultural, e que tem por desígnio integrar-se num hábito.

Práticas culturais em Portugal (Gulbenkian, 2022, https://gulbenkian.pt/agenda/praticas-culturais-dos-portugueses/)
Consumo de Música (RIAA, 2021, https://www.ifpi.org/wp-content/uploads/2021/10/IFPI-Engaging-with-Music-report.pdf)

O público desta forma cultural concentra-se maioritariamente num círculo social definido por rendimentos elevados, cultura musical, e uma faixa etária mais avançada.

Ora, ponderando-se o custo médio (15 euros) de um bilhete da CdM, e a existência de um formato comentado dos concertos, valida-se a questão de se “esta forma de música estará hoje datada e se é, por conseguinte, inadequada às novas gerações”.

O desafio dos novos públicos

Numa primeira instância, há que perceber o valor associado à frequência das actividades da CdM. Qual é, por exemplo, o benefício associado a um concerto da CdM?

A música é um aspecto fundamental de todas as civilizações humanas, desempenhando um papel emotivo, moral, e cultural. Por exemplo, quando um português conhece alguém de uma cultura diferente e lhe dá a conhecer o “Fado”, está automaticamente a transmitir muito daquela que é a sua cultura. Assim, porquanto, frequentar um concerto é uma experiência única, presenciada em comunidade, onde conseguimos descansar, apreciar, e meditar.

A dificuldade de alcançar um segmento de mercado com outras características sociais

O marketing dirigido, que frequentemente faz-se por meio de redes sociais, é aquela que mais tem atraído os profissionais.

Anúncios personalizados são vistos como o “santo graal” do marketing moderno e, segundo a Forbes, numa publicação de 2016 é um dos fatores críticos para o sucesso. Porquê? Um estudo da adlucent concluiu que: 71% dos consumidores revela preferência por esta publicidade; os negócios podem alcançar um aumento de lucros na ordem dos 15%; e 44% dos consumidores voltam a repetir compras.

Existem diferentes níveis de publicidade dirigida, nomeadamente: Contextual (anúncios sobre a mesma temática do que está a ser consumido pelo utilizador); Comportamental (Semelhante à contextual mas também considera o histórico de pesquisas do utilizador, tempo que passa em cada página, links em que clicou, páginas que segue em redes sociais, etc.); Segmentada geograficamente; Redes sociais.

Mas se é tão intrusivo, porque é que os utilizadores a preferem? No mesmo estudo, 46% defendem que reduz a publicidade irrelevante, 25% indicam que é uma forma de descobrirem novos produtos, 19% defendem ser uma forma das compras online serem mais rápidas e fáceis. A maioria dos consumidores, 87%, acreditam que publicidade personalizada significa conteúdo exclusivo, baseado nas suas compras ou comportamentos anteriores. Sabemos que os negócios precisam de anúncios e, os dados a serem utilizados exclusivamente para estes fins e com este efeito, parece legítimo.

Todavia, um problema de só vermos anúncios com os quais provavelmente concordamos, ou para os quais estamos menos preparados para lhes reconhecer um sentido malicioso ou fraudulento, dificulta que estes sejam detetados e denunciados. Por exemplo, no mundo real, um anúncio fraudulento numa paragem de autocarros seria provavelmente detetado e reportado às autoridades competentes. Mas no caso dos consumidores online, estes estão isolados numa bolha, pois a informação que recebem foi-lhes dirigida a eles.

Contudo, no caso particular da Casa da Música, isto significa que o público que o algoritmo destas plataformas de marketing direccionado vai “sortear” será o supra-referido que, por sinal, já tem alguma idade. Como fazer a renovação de público assim? Uma possível resposta seria recorrer a meios publicitários alternativos, todavia, estes apresentam algumas desvantagens:

Recomendações Literárias

Este livro explica conceitos tais como “a música depende do espaço”, reflectindo sobre como antes de haver instrumentação para gravação de som, dependia-se completamente do espaço para ouvir música. Talvez por isto se tornou mais comum afirmar que uma dada música é má, tornou-se possível ouvir em espaços não considerados na sua construção.

Este livro explica, entre outros aspectos, que a “Música é algo que é feito, e não algo que é alcançado”. E esse é o espirito da música tradicional, que se transfere de geração em geração. Pensa em actuações virtuosas vs música pop – qual alcança uma maior audiência e qual é mais desafiante do ponto de vista técnico.

Sobre a engenharia de um projecto público desta dimensão, fica a recomendação de Ernesto Costa (director técnico da CdM): MacKay, P. and Pilbrow, R., 2003. Walt Disney Concert Hall. Royston: Entertainment Technology Press.

Ep. 2 – A Sala Suggia: Orquestra Sinfónica e Remix Ensemble (2022-06-03)

Suggia’s Seats Suggia Suggia’s Miradouro in wall Suggia’s Back audience wall

É na sala Suggia que podemos assistir vários dos concertos da Orquestra Sinfónica e do Remix Ensemble. Actualmente estamos no ciclo “Música e Mito”, sob o tema “Amor”. Nesta publicação vamos observar esta sala e apreciar como esta serviu três concertos, dois pela Orquestra Sinfónica, e um pelo Remix Ensemble. Concretizando, e respectivamente:

Tanto o Concerto Prometeu como o Concerto Romeu e Julieta foram acústicos. A sala Suggia é a única sala de concerto com iluminação natural, realçando-se uma grande janela por trás do palco e outra na traseira do público. Como se concilia este aspecto com os requisitos acústicos?

Rem Koolhaas tinha determinado desde cedo que não iria prescindir desta ousadia, e para os desafios físicos colocados por este desenhado, soluções físicas à base de cortinas e de uma tela móvel sob o palco foram adoptadas.

Contudo, como em muitas obras, o sucesso que se identifica após a construção e primeiros ensaios desconstrói-se em partes com o uso e imposições do que é útil. O sol nasce e põe-se diariamente em diferentes instantes temporais, pelo que a iluminação e calor que entram na sala por esta fonte variam. Isto requer ajustes com as cortinas e ar condicionado. As cortinas interiores (pela ausência de cortinas exteriores) servem assim dois propósitos: acústico e de iluminação (este é uma necessidade particular a esta sala de concerto).

Também no projecto original de arquitectura houve insistência em ter a régie num ponto lateral da sala. Todavia, este ángulo não permite uma perspectiva correspondente aquela que é a do público. Isto obrigou, logo no primeiro concerto, o meio do público, e posteriormente para trás do público.

Suggia’s Stage Side Suggia’s Stage Front Suggia’s right wall with decorative organ Suggia’s Scenic Instrumentation

Quando olhamos para o palco da sala Suggia, notamos em dois orgãos, o da esquerda remete para os tempos românticos, e o da direita para o barroquismo.

Estes órgãos são elementos simultaneamente decorativos e acústicos que impedem que a actividade de uma orquestra em palco destoe com uma parede que de outro modo seria continua com o resto da sala.

O órgão barroco não poderia homenagear os do tipo ibérico em particular pois a sua dimensão e tubos horizontais seriam incompatíveis com a movimentação da instrumentação cénica.

O órgão romântico tinha sido idealizado como um órgão funcional, sendo que há espaço para a respectiva maquinaria, mas os fundos prometidos para a sua montagem foram cancelados, pelo que não foi montado.

Referências:

Concertos, Música programática, Música Instrumental

No século 19, uma discussão famosa em termos de música clássica era sobre o significado da música instrumental.

A música programática procura contar uma história de algum tipo. Tipicamente sem palavras, mas por vezes o compositor providencia uma histórica de fundo para auxiliar a imaginação do espectador a enquadrar os eventos musicais no drama.

A música absoluta, por outro lado, não tem nenhuma história ou mensagem em particular, é apenas música para ser apreciada e usufruída.

Por vezes, e algo que acontece na Casa da Música, organiza-se os programas de forma a poder construir-se uma narrativa, por vezes até diferente daquela que foi originalmente pensada pelo compositor de certa obra. Isto é conseguido por meio de analogias e paralelismos.

Por exemplo, com a peça “O Crepúsculo dos Deuses”, Wagner baseia-se na mitologia do norte da Europa, onde se debruça sobre a sede pelo poder desmesurado, e termina a sua ópera com esta peça.

Todavia, o concerto “Prometeu” na CdM, termina com esta mesma peça. Apesar de prometeu ser parte da mitologia grega. Para isto, a peça foi tocada instrumentalmente, e ficou a dever da audiência compreender como Prometeu se relaciona com Siegfried (protagonista da peça de Wagner).

Interpretando o sentido de “Crepúsculo dos Deuses” no concerto “Prometeu”

Prometeu foi descendente dos primeiros titãs, e o seu nome significa “o providente”, aquele que está bem preparado para o futuro, pois pode antevê-lo. O seu irmão gémeo, “Epimeteu”, era aquele que via depois.

Um dia Prometeu traiu Zeus, por nunca lhe ter perdoado este ter terminado com a sua raça.

Por Prometeu gostar tanto dos humanos, Zeus tira o fogo aos humanos, e força-o a viver por entre estes.

Mas sem fogo, os humanos sofriam com o frio e a fome. Por isto, Prometeu que, com a ajuda de Atena, já ensinara aos humanos as artes da arquitectura, astronomia, e cura, regressa ao Olympus para então devolver o fogo aos humanos.

A sua punição foi ser preso a uma montanha, onde tinha o seu fígado lentamente comido por um corvo, e reconstruído à noite.

O fígado é na mitologia grega um simbolismo de paixão e emoção. Prometeu arriscou, e efectivamente sacrificou (pois ele tinha consciência do futuro) a sua vida para retornar aos humanos o fogo da criatividade. Todavia, do ponto de vista dos deuses, este comete um pecado.

Existe um aparente ciúme entre Zeus e as conquistas dos humanos. É associado a Prometeu o signo do Aquário, um signo de ciência, intuição, e os ideais de liberdade e igualdade.

O Crepúsculo dos Deuses é o final de uma grande saga, “O Anel do Nibelungo”. Inicialmente a conclusão deste “thriller” era chamada de “Morte de Siegfried”, denunciando o final trágico.

A peça começa por transmitir um sentimento de risco – que podemos compreender como um presságio e consciencialização de que a decisão que Prometeu toma vai condena-lo.

Apesar desta intimidação, a música torna-se mais calorosa e faz-nos sentir num sonho, o que sugere que Prometeu está determinado a seguir apesar do legítimo medo e receio que poderá sentir.

Siegfried aprende sobre o medo após acordar Brünnhilde, aprender sobre o medo de certo modo também conduz Siegfried a morrer, “agora não sou mais Siegfried; Não sou mais do que o braço de Brünnhilde”, diz após lhe oferecer o anel que antes tão gananciosamente detinha. Simbolicamente, Wagner mostra-nos que o acordar de vida, e o amor, coincide com a morte, o encaminhar para um mundo de compromissos.

Do mesmo modo que a maldição a que Siegfried se subjugou serve-se de Brünnhilde como instrumento para a sua queda, também o amor que Prometeu sente pelos humanos o conduz ao seu fado trágico. No fim da peça, ouvimos um som que vai diminuindo de ritmo e intensidade, como se desvanece-se.

A linha ténue entre música de programa e música absoluta

Estas transformações, reduções, maleabilidade remete-nos para aquele que será o ensinamento mais importante de Topologia em matemática. Em topologia estuda-se as propriedades de um objecto geométrico que são preservadas sob deformações continuas. A forma como compreendemos música pode mudar severamente em função do contexto, espaço, e significado que procuramos. Mas as emoções que despertam em nós costumam manter-se, só a nossa disposição e humor é que pode não ser o mais receptivo dado o contexto e instante temporal.

Música Clássica e Contemporânea

Porque motivo é que as peças eruditas dos anos 20 são tão estranhas e incompreensíveis ao público geral?

A melodia não é muito clara, e a harmonia é pouco intuitiva, por vezes assemelhando-se a sons aleatórios. Os grandes compositores, depois de Debussy, passaram a escrever peças não muito digeríveis para o grande público.

O mesmo aconteceu, nesta mesma época, em todos os segmentos de arte: na pintura, na escultura, na poesia, na literatura, e na dança.

Quando olhamos para a história, verificamos que a música tonal (com harmonias definidas e que funcionam em função de uma tonalidade principal), chegou ao seu máximo, no quesito da sofisticação harmónica, da estrutura complexa, e do contraponto perfeito. Isto na metade do século 18, com Bach. Após, teve-se o auge da beleza, com a música galante (compositores como Mozart e Haydn), esta concebida para ser tocada em salões. Na segunda metade do século 19, chegou-se ao máximo do ponto de vista harmónico e da orquestração com Liszt, Berlioz, Mahler, Richard Strauss, …. Estes últimos torceram a música tonal, através do cromatismo, de forma que nenhuma outra inovação maior poderia ser feita dentro deste sistema tonal.

Assim, o caminho de evolução foi reinventar ou até desconstruir o sistema de tons: implementar o atonalismo. Neste, a escolha é feita com base naquilo que soa melhor, em vez de se seguir um caminho lógico de proximidades tonais com base em ciclos de quartas e quintas, como em 99% das músicas que a pessoa comum ouve até hoje.

A mesma teoria pode ser aplicada às artes plásticas: o artista chegou a um nível tão elevado de retratação da realidade e de virtuosismo, que passou a retratar o que era irreal, bizarro, e irreverente.

Deste modo, quando os artistas se depararam com esta situação, e com o cenário caótico em que se encontrava a Europa, quando começaram a eclodir as grandes guerras, não hesitaram em criar vanguardas musicais com valores e parâmetros completamente novos. Assim surge, por exemplo:

Esta música retrata bem o cenário europeu da época. É como se a renovação forçada que a guerra estava por trazer se estendesse à música. Não se fazia mais música para a igreja, para agradar o rei, nem para agradar nenhum público tradicional. O limite tornou-se a criatividade do compositor.

É então que o Jazz começa a cair nas graças do grande público. Depois do Jazz, nos anos 40, o Bolero. E nos anos 50, o surgimento do Rock. E a este ponto a realidade da música clássica muda de forma drástica. Pois surge a fusão de um artista pop com um sex symbol através de Elvis Presley – a figura do vocalista passa a ser um produto pronto: talento musical, guia de comportamento, e até filosofia de vida. E com todas estas distrações em torno da figura do artista, a música começa a ficar mais de lado.

Devido ao caminho de grande desconsideração pelo público comum que a música contemporânea tomava, a música pop ficou praticamente sem nenhuma concorrência. É assim que surgem as “mega bandas” (Beatles, Rolling Stones, Pink Floyd, …), e a grande industria de produção música condenou assim a música clássica aos espaços que encontra hoje.

Pode-se daqui concluir que a música contemporânea (ou até a arte contemporânea no seu todo) é má e que os compositores simplesmente perderam o juízo?

Não, existe grande talento e conhecimento musical na música e na arte contemporânea. A música depende do espaço. E ser boa ou não depende se cumpre o seu objectivo num dado contexto. A música contemporânea era feita por músicos e para músicos, e cumpria com o seu objectivo, no seu espaço.

Referências:

Ep. 3 - Além de concertos (2022-04-13)

Anteriormente referiu-se que a música depende de espaços, que esta é algo que se faz e que, diferentes de outras formas de arte, após “se fazer” desaparece.

A CdM é um enorme sólido, monumentalmente perfurado pela sala Suggia. Os elevadores, as escadas, as rampas, e corredores podem também ser compreendidos como perfurações deste sólido, que assim vão criando “vazios” em algo que de outro modo poderíamos ver como uma pedra lapidada, resultante do impacto de um meteorito, e que hoje se apresenta num luxuoso pedaço de tecido (tapete de travertino rosa suave).

Neste edifício sentimos diferentes formas a criarem-se conforme percorremos as diferentes divisões, e estas desaparecem quando entramos nestes corredores. Os momentos mais entusiasmantes de uma visita pela casa são as intersecções dos espaços, quando um espaço se encontra com outro espaço, numa sensação inquietante de transparência completa através de ambos.

Este projecto derivou de uma encomenda à OMA que fora cancelada, a “Y2K House”, onde era pretendido haver um espaço comum para a família (núcleo / sala de estar), com espaços circundantes que absorvessem a vida quotidiana (ocultando toda a confusão e compartimentando tudo de forma organizada e estruturada). Esta ideia de absorção, no caso da CdM, estende-se a várias estruturas espalhadas pela praça – uma paragem de autocarros, um café, as entradas de uma garagem subterrânea – como se esses elementos práticos estivessem literalmente a ser varridos para debaixo do tapete de travertino. A CdM naturalmente obrigou a uma mudança extrema na escala do projecto, que transformou a expressão dos requisitos de um único cliente, não numa simples instituição pública, mas numa instituição para o público.

É difícil expor/apresentar a CdM por meio de fotografia, é provável que a melhor ilustração fosse através de uma pintura cubista. Em 2007, a Royal Institute of British Architects (RIBA) premiou Rem Koolhaas por incríveis contribuições para o design arquitectónico na Europa. Sendo que o júri descreveu a CdM como “intrigante, inquietante, e dinâmica” e destacando que “promove espaços de excelente acústica para a performance de todos os tipos de música, enquanto cumpre outro papel contemporâneo como objeto estranho, enigmático e convincente na forma urbana da cidade do Porto”.

Este “papel contemporâneo” enunciado pela RIBA é um aspecto curioso, é difícil comparar uma construção feita no final do século XX com os demais edifícios na cidade, que são maioritariamente dos séculos 17 e 18. Todavia, embora a CdM sem dúvida se destaque e intrigue pela sua forma, é difícil argumentar que destoe – particularmente na medida em que mantém uma distância respeitadora das estradas públicas, apesar das suas dimensões.

De facto, quando se diz ser concebida para o público, este não se limita ao que frequenta o seu interior, alias, a sala Suggia é a única sala de concertos com luz natural. É a única sala de concertos do mundo com duas paredes feitas inteiramente de vidro. Como resultado, o seu auditório de 1300 lugares é banhado pela luz do dia. O espírito desta casa não é elitista, mas o de tornar música dita elitista acessível a todos. Enquanto que frequentemente as pessoas conhecem apenas o formato exterior de múltiplas instituições culturais, no caso da CdM não só é possível observar o interior quando se olha o edifício, como também ter uma noção da actividade dentro da casa pelos indicadores de som.

A CdM custou 300,9 milhões de euros a ser construida (originalmente projectada para 182.3 milhões), quando se pensa neste valor, é fácil questionar se o espaço foi bem aproveitado. Na verdade, se a Sala 2 já é significativamente menor que a sala Suggia, então a Cibermúsica, Sala Renascença, Sala Roxa, Sala Laranja, e Sala VIP são quase que exíguas.

No entanto, a CdM contém dois auditórios no formato caixa de sapato, e o vazio criado por esses dois espaços de concerto é usado como espaço público com 8 salas de ensaio, recursos educativos, e salas com recursos de gravação.

Quando afirmamos que as salas são pequenas, é importante reflectir sobre o estilo da arquitectura que cada vez mais invade o nosso dia-a-dia, e de certo modo nos tolda a compreensão. Cada vez se investe mais na grandeza e falta de carácter dos espaços. Uma tendência ao padronizado e à falta de uma função clara, vêm se a afirmar como a resposta de facto da arquitectura. Estes edifícios sem rosto, sem graça, e aleatórios que não prestam atenção à forma como se misturam com o horizonte de uma cidade, e dos quais ninguém terá curiosidade de saber quem foi a equipa que o desenhou, tornam-se entidades separadas que, como se vêm a multiplicar, afiguram-se como a nossa realidade e hábito. Para dar um exemplo, a arquitectura contemporânea de um centro comercial desvaloriza contextos arquitectónicos, são construções enormes, cheias de ausências, sem uma ordem inerente, nem nenhuma conexão entre as suas partes.

Na CdM, o betão branco é um reflexo deliberado dos tons de nuvem que o arquiteto portuense Álvaro Siza usa para os seus edifícios na cidade. As janelas gigantes emolduram as vistas sobre a cidade, transformando o que normalmente é um interior hermético num espaço luminoso que conecta explicitamente o edifício à cidade. A CdM subverte todos os preconceitos do que uma sala de concertos deve ser e como deve ser. Na verdade, enfrenta também um grande espaço cívico, cercado por uma mistura de edifícios, que vão do banal ao decrépito e ao majestoso.

Além das personalidades e propósitos que cada sala da CdM, e de toda a ligação ao espaço envolvente, temos também todos os apontamentos sobre a cultura do país. Como exemplo mais evidente ressalta a Sala VIP. Coberta por azulejos portugueses. Em 2001, tanto o Porto como Roterdão (Holanda) foram nomeadas capitais europeias da cultura. O arquitecto holandês – apesar de educado na inglaterra – empregou assim azulejos feitos em Portugal mas pintados em Delft blue (Delft é uma cidade holandesa famosa pelos seus azulejos).

Assim, dificilmente por coincidência, a elegância contida na CdM revela-se gradualmente à medida que é percorrida, substitui-se por vazio e inquietude nas intersecções dos seus ângulos, e em cada espaço tem uma vincada personalidade. Tal como a música que nela se faz. Do mesmo modo, enfrenta preconceitos e conecta-se de forma transparente com os vários espaços envolventes, tal como é o objecto do seu serviço educativo nos mais diversos programas.

Talvez, a melhor analogia que podemos fazer com o serviço que a CdM presta à nossa sociedade, é o próprio edifício que o alberga.

Ep. 4 - Saindo da Casa: Serviço Educativo (2022-03-16)

Porque é relevante?

A educação é sempre relevante, tanto que é um direito humano. Mas é interessante compreender porque uma sala de concertos colocaria tanto esforço em manter um serviço educativo.

Em primeiro lugar, a Casa da Música é um espaço cultural e um ícone, não apenas do Porto, mas de Portugal. Posto isto, vamos começar com algumas possíveis motivações:

“a revolução cultural não é eu poder ir tocar a todos os sítios, é ir aos sítios e ouvir a música que é feita lá”. – Zeca Afonso

Esta frase transmite a ideia de que a “a música depende do espaço” e que a “Música é algo que é feito, não algo que é alcançado”. Que são alguns dos conceitos que referi na Bibliografia.

Organização do Serviço Educativo

Actuações

Oficinas

Sessões de Treino

Fora deste Mundo

Iniciativas diversas - Projectos, Hotspots e Visitas Guiadas – que não se enquadram noutras categorias maiores, alguns exemplos actuais são::

Mas nenhuma destas iniciativas está na “forma comum de educação”?

Rui Canário, que foi professor na Universidade de Lisboa e estudou politicas dde educação e formação, no número 67 da revista NOESIS, com o artigo de opinião “Aprender sem ser ensinado” (https://www.dge.mec.pt/sites/default/files/CDIE/RNoesis/noesis_miolo67.pdf, página 21 do pdf), escreveu:

"Se aprender é algo de intrínseco ao ser humano, também é verdade que o ensino não é uma condição necessária nem suficiente para que se verifique uma aprendizagem. Aprendem-se coisas que não são ensinadas e ensinam-se coisas que ninguém aprende. Felizmente, a maior parte das situações de aprendizagem que vivemos não são formalizadas, no sentido de obedecerem aos requisitos do modelo escolar, nem sequer deliberadas (não há consciência de que o principal objectivo seja aprender algo). A aprendizagem surge, então, como um co-produto da acção."

(a versão em texto pode ser encontrada em http://direito.webview.pt/troca.php?no=37)

Esta ideia de que a Eucação é um processo de facilitar os recursos e meios para que uma pessoa possa aprender sem ser ensinado. “Deixa-me mostrar-te o que posso fazer, e agora também vais querer aprender a fazer, correcto? :)”

Quando é que a educação é justificada?

Nós educamos para o que é complexo e pouco natural, tal como comer com talheres.

Regressando a “a revolução cultural não é eu poder ir tocar a todos os sítios, é ir aos sítios e ouvir a música que é feita lá”, nós imediatamente compreendemos que ficarmos confortáveis é uma armadilha fácil. Precisamos de explorar o desconhecido. Uma ideia já expressa por Fernando Pessoa com:

Triste de quem vive em casa,
Contente com o seu lar,
Sem que um sonho, no erguer de asa,
Faça até mais rubra a brasa
Da lareira a abandonar!

(o poema completo poderá ser encontrado em http://arquivopessoa.net/textos/96)

Pense-se em europeus a experimentarem sushi pela primeira vez. Se estiverem em casa e encomedarem, podem nem tentar usar pausinhos e simplesmente empregarem os talheres que lhe são mais confortáveis. Mas se num restaurante, e alguém a ilustrar a utilização, experimentam e acostumam-se.

O ser humano é preguiçoso por padrão, o que chama a necessidade de chamar à acção na exploração do desconhecido. No final, esse esforço e bravura levam a uma experiência mais gratificante. No caso particular da música, entre outras coisas, expande a nossa capacidade de expressão (como no Jazz).

Dicas importantes de Jorge Prendas

Jorge Prendas colabora com este serviço da Casa da Música desde 2007 e começou a coordená-lo em setembro de 2010. Também ajudou a criar o quinteto à cappella Vozes da Rádio em 1991.